O Museu de Street Arte de Salvador (Musas), idealizado pelo coletivo de grafite Nova10Ordem já é uma realidade. Tendo como pano de fundo o cenário da Baía de Todos os Santos, o espaço inaugurado recentemente na Comunidade do Solar do Unhão, atraiu um grande número de grafiteiros, artistas plásticos, designs, turistas, dentre outros.
Seguindo uma tradição popular da Bahia, a programação do evento iniciou com a benção com folhas, lavagem das escadarias e o banho de água de cheiro nos presentes, comandada pela ialorixá Mãe Vilma, filha de Iansã e Ogum (mãe do artista Júlio Costa), acompanhada pelas mães de Bigod e Prisk, vestidas com trajes típicos (turbantes, saias engomadas, braceletes e colares). Fotos: JFParanaguá.
Dos 40 espaços (30 fachadas de casas e 10 muros) autorizados para pinturas, aproximadamente 30 ganharam novo visual, transformando a comunidade numa verdadeira passarela de arte a céu aberto.
Os grafiteiros Wrill, Fumax, Gata. X, Dhid, Prisk, Furone, Bigod, Drico, Graf, Baga, Slik2, Ar, Ailson, Tial, Cortês, Iel, Afro, Um tal de Uilliam, Talitha, Duda Reis, Rafael Ribeiro, Mônica, Xluts (SSA),
Muleka (RJ), Shermie (MA), Yango e Septo (Islândia), tiveram liberdade de explorar diferentes temáticas, utilizando técnicas de estêncil, colagem, personagem, wildstyle e bomb.
Destaque para a diversidade de obras de arte que deixou satisfeitos os moradores, como explicou Etelvina Rodrigues da Silva, 40 anos residindo no local: “acho muito importante esse trabalho. É uma coisa que eles fazem e que chama a nossa atenção. Os jovens estão embelezando as ruas que estavam feias. Olha como minha casa ficou muito bonita!”
Além do brechó de roupas, sapatos e adereços organizado pela estilista Tata, biblioteca ambulante e carrinho com revistas sobre literaturas de arte, sarau de poesias, show da MC carioca MoleKa, o visitante conferiu a mostra fotográfica coletiva assinada por Natalie Lima, Umero Bahia, Clarice Machado, André Carvalho, Joabes Roots, Rômulo Alessandro, Charlene Leal, Márcio Luís, Akira Cravo, Lucas Assis, Nara Gentil, Carol Garcia, Carolina Menezes, Alex Oliveira, Shirley Oliveira, Amanda Santana, JFParanaguá e Priscila Vitório (SSA), Valeno Bispuri, Antonello Veneri e Davide Diacci (Itália), Thomas Albert (França), Ricardo Gonzalez, João Dutra, Arthur Scovico e Clarissa Piveta (RJ), Rubens Sala (Espanha), Quique del Bianco (Argentina).
Marcaram presenças: Marcella Sgura (presidente do Instituto de Cultura Brasil Itália Europa (ICBIE) e o marido Ivonildo Sgura (cinegrafista), jornalista e teatrólogo Pietro Gallina, Lucio Damascelli, Mag Boaventura (ICBIE), Roca Alencar, Carol Garcia, entre outros.
Confira a seguir as entrevistas com os grafiteiros Júlio Costa e Prisk.
A Arte na Rua – Como surgiu a ideia da criação do Musas?
Júlio Costa- Nasceu em função de uma sequência de vários projetos que criamos e também que acabaram. Cito como exemplo, o da comunidade das Palafitas, onde nós pintávamos, mas, por conta das obras realizadas na área acabou com a nossa galeria a céu aberto que existia no local. Eu, Bigod e Prisk, estávamos precisando de um espaço pra produzir arte. Então, no dia 23 de janeiro desse ano, data do meu aniversário, a gente decidiu fazer uma pintura na comunidade em comemoração a “Revolta dos Malês”, que aconteceu no dia seguinte. Quando chegamos e vimos o lugar ficamos encantados. Os arcos lembram muito a “Capela Sistina”, lembram muito os museus. Tem uma arquitetura muito bonita e estava completamente solto e muito largado. Devido as nossas idas constantes, resolvemos pintar algumas casas e aproveitamos para fazer uma experiência alugando uma casa que não é essa (a sede do Musas) e menor pra fazer as refeições e guardar os materiais. A partir daí, começamos a pensar na criação de um nome pra essa iniciativa, porque os grafiteiros começaram a aparecer. Pensamos muito até chegar a esse nome: Musas, que significa Museu de Street Art de Salvador, em homenagem as musas das artes, inspiradoras de poetas e artistas; a musa da dança e de vários outros segmentos.
AAR – Vocês contaram com orientação de Pietro Gallina?
JC – As conversas e dicas de “seo” Pietro, influenciaram muito a gente. É importante salientar que essa iniciativa tem muito a ver com o ICBIE.
AAR – O que aconteceu depois?
JC – Passado algum tempo alugamos a casa que hoje é a sede do Musas. Desde que chegamos queríamos essa casa, por ser central e com ótima localização.
AAR – Qual o papel do Musas na comunidade?
JC – A ideia da gente não tem nada de assistencialismo. A gente tá fazendo um movimento artístico, não só de grafite, mas, também de outros segmentos ligados a arte de um modo geral. No futuro a gente quer que o Musas, seja um Movimento Artístico. Em momento nenhum, a ideia da gente foi de vir aqui pra ajudar a comunidade ou dizer que através do grafite estamos fazendo o bem. Não! A gente está sendo ajudado por esta vista maravilhosa da Baía de Todos os Santos e também pelo valor do aluguel que podemos pagar…
AAR – Mas, independente da questão do assistencialismo, o Musas vai gerar benefícios pra comunidade, através da visitação e da divulgação por meio das mídias e redes sociais, consequentemente atraindo um grande número de pessoas. O lugar é seguro, além de estar próximo ao Museu de Arte Moderna (MAM), um dos principais da cidade.
JC – Concordo com você. O MAM também inspirou a gente na criação do nome. Certamente que será um espaço de grande movimentação. Tem-se a ideia de que aqui não é um lugar social, mas, com certeza o projeto cultural do Musas vai ajudar a quebrar esse paradigma. A nossa ideia é que o fotógrafo venha e exponha, o cara da poesia venha e declame, o grafiteiro fique à vontade pra desenvolver sua criatividade.
AAR – O Musas será um espaço de arte franqueado para os artistas?
JC – Os artistas interessados terão que cumprir uma programação prévia. Como estamos no início, o interessado deverá ligar para o grafiteiro Bigod através do número 8197.2245, agendar uma vista e confirmar a nossa presença no local.
AAR – Mesmo sem a presença de um de vocês, o visitante pode circular pela comunidade e ver os grafites que estão expostos no local?
JC – Claro que pode circular. A convivência com a comunidade é bem diferente do que a mídia divulga. Os moradores são pessoas muito boas, acolhedoras e bonitas. O visitante pode ser um turista estrangeiro, um pobre que resida na Massaranduba ou em qualquer outro bairro, e será bem recebido. É claro que tem gente de índole ruim em qualquer outro local e na comunidade não é diferente.
AAR – Já estive na comunidade por duas vezes sem a presença de vocês e posso afirmar que fui tratado cordialmente pelos moradores.
JC – Paranaguá, as pessoas já estão visitando sem estarmos aqui. Inclusive, eles nos informam se teve a presença de alguém percorrendo a comunidade ou até nos procurando.
AAR – Na sede do Musas também vai funcionar um albergue?
JC – Mais ou menos. É um espaço reservado para hospedagem. Um lugar pra acolher os artistas.
AAR – Qual o momento mais importante da inauguração?
JC – A celebração da abertura foi um dos momentos marcantes. Minha mãe, a de Bigod e a de Prisk, todas religiosas de matriz africana, fizeram a lavagem das escadas e deram banho com água de cheiro nas pessoas que estavam presentes. A gente cresceu vendo que benção é isso. Benção é bater folhas!
AAR – Vocês também são religiosos de matriz africana?
Não. Mas, mesmo não sendo da religião, a gente queria valorizar isso, achando que elas estavam fazendo o melhor e dando proteção pra gente e ao espaço. Nós acreditamos piamente no que elas fizeram. Eu cresci nesse ambiente e acho que, independente do que foi pregado, volto a dizer, é um ambiente em que se respeita o mais velho, um ambiente que se respeita a natureza. Foi isso que eu absorvi: quando acontece alguma coisa de boa a gente agradece e quando está precisando pede.
Grafiteiro Prisk
AAR – Qual o seu sentimento com a criação do Musas?
Prisk – Eu e meus amigos tivemos essa ideia de abrir um espaço novo pra os artistas, principalmente pra os grafiteiros de Salvador. Criar algo semelhante como já existe em São Paulo e Rio, ou seja, um espaço onde a gente tivesse a oportunidade de ensinar a juventude mais nova que queira aprender grafite, fotografia, escultura ou outro tipo de arte. O espaço também é para quem não tem a chance de levar o seu trabalho a uma galeria paga. A nossa é uma galeria de rua. O Musas é um espaço para divulgação de nossos trabalhos e dos nossos amigos.
Dica para visitação do Musas – Museu de Street Art de Salvador: localizado na Comunidade Solar do Unhão, Avenida Lafaiete Coutinho (Contorno), acesso pelos portões do Museu de Arte Moderna – MAM. Aberto de segunda a domingo. Agendamento: ligar para o grafiteiro Bigod, através do número 8197.2245.
Confira a galeria:
Muito obrigado pelo convite e pelo incentivo! Foi muito bom passar o dia numa comunidade belíssima e como pessoas super envolvidas na arte!
Tb estive lá! Achei o espaço maravilhoso!