O soteropolitano Nikol (Nikol Carvalho), 26, integrante do Crew SNE – Sempre Na Evolução, 2º Grau completo, residente no bairro de Cajazeiras VIII, iniciou sua trajetória como pichador. Mas durou pouco tempo. Como grafiteiro, o jovem artista conquistou seu espaço na cena baiana e tem mostrado o seu talento, através de belíssimos grafites, utilizando o estilo wild style, como base de seus trabalhos. Conheça mais sobre Nikol, nessa entrevista que ele concedeu ao blog A Arte na Rua:
A Arte na Rua – Cajazeiras é considerado um celeiro de grandes artistas?
Nikol – Será?
AAR – Você foi pichador?
Nikol – Sim. E tenho ainda um pouco dentro de mim.
AAR – Ainda mantém isso? Corre na veia?
Nikol – Um pouco de adrenalina não faz mal a ninguém. Não faço mais. Mas sinto saudades desse tempo.
AAR – E quando foi o seu início?
Niikol – Eu comecei a fazer pichação em 2003. Parei em 2005, depois de um incidente comigo.
AAR – Como você assinava como pichador?
Nikol – Nik, OL e GIC.
AAR – O que marcou na sua época de pichador como a mais audaciosa?
Nikol – Rapaz! O que marcou mais foi o que aconteceu comigo ao pichar a casa de um tenente da polícia. Tomei um tiro no braço, várias coronhadas no rosto, além de quebrar três dedos. Isso foi o que marcou mais na pichação. Inclusive foi o que me induziu a parar com a pichação.
AAR – Onde aconteceu esse fato?
Nikol – Em Castelo Branco.
AAR – Era o reduto que você gostava de pichar?
Nikol – Não. Eu ia pra outros lugares, mas não curtia muito ir pro centro pichar.
AAR – Você se espelhou em algum pichador?
Nikol – Sinal, considerado o Mestre.
AAR – Quem foi Sinal?
Nikol – Ele foi uma figura incrível. Estava em todos os lugares de Salvador. Morou no Largo do Tanque, onde foi criado; Boca do rio, Regional e Cajazeiras (Boca da Mata), onde morreu em 2012. Nesse mesmo ano, no encontro de grafite feito pra ele, prestei-lhe uma homenagem e o grafiteiro Frank pintou o rosto dele.
AAR – E seus pais, como reagiram na sua fase de pichador?
Nikol – Minha mãe quase morre. Ela passou mal com o incidente que ocorreu comigo. Isso foi um dos motivos que me afastou da pichação.
AAR – Qual o significado do Nik?
Nikol – Foi um apelido que usei na pichação. Eu assinava Nik o Louco. Numa das pichações juntei “Nik” ao “Ol” e ficou Nikol. Como grafiteiro não quis mudar e aproveitei essa formação do nome e mantive a tag Nikol.
AAR – Quando você iniciou sua atuação no grafite?
Nikol – No final de 2006. Depois do surgimento do Projeto Salvador Grafita. Eu vi o pessoal pintando aqui e ali. Também trabalhei um pouco com eles, mas não foi nada fixo. Então fui pegando o gosto e vi que não dava pra ficar longe da tinta.
AAR – Quem lhe influenciou no grafite?
Nikol – Da cena local foram os grafiteiros Neuro e Lee. Principalmente Lee, que sempre me deu uma força a mais nas ideias.
AAR – Você pode citar outras referências?
Nikol – Hoje em dia eu estudo muito o trabalho do gringo alemão MADC, SOTEM, SOKER, DARE, NEMO, entre outros. E tem um da cena nacional que é de Macaé, chamado Felipe Talu, que considero o marco da letra no Brasil.
AAR – Qual é o seu estilo? Com você define?
Nikol – Wild Style. Às vezes eu faço semi Wild Style que é mais simples.
AAR – Você gosta de fazer bombs?
Nikol – Só pra marcar tela. Não por vontade.
AAR – Em sua opinião o que representa o bomb?
Nikol – O bomb… Ele é a chave no grafite. O bomb pode ser definido como o verdadeiro grafite. Porque o grafite de verdade é aquela ação vandal na rua. Você chega pinta aqui, pinta ali. Eu acho que o bomb pode ser considerado o real grafite.
AAR – Você usa a inspiração ou já traz um tema definido pra pintar na rua?
Nikol – Antigamente eu buscava inspiração nos artistas de fora. Mas, hoje em dia, eu imprimo os meus próprios trabalhos e crio em cima dele. Eu já tenho a forma do que vou fazer. Eu não tenho o trabalho desenhado no papel. Eu faço alguns, de vezes em quando, mas eu sou um grafiteiro free hand, eu pinto free style. Eu crio o meu trabalho diretamente na parede, sem medo de ficar bom ou ruim.
AAR – Então flui naturalmente?
Nikol – Sim. Eu não tenho o caderno chamado black book. Meu black book é a rua.
AAR – Você já pensou em desistir alguma vez?
Nikol – Várias vezes. Porque a cena do grafite em Salvador praticamente morreu. Às vezes é desnecessário dizer esse tipo de coisa. Mas, pra mim, o grafite era quando tinha a Bomb Bahia (Loja do grafiteiro sueco Sins, onde vendia sprays, dentre outros produtos e aconteciam eventos. Na época, considerada o point dos grafiteiros). O que ele [Sins] fazia pela gente nos proporcionava muita coisa. Depois que a Bomb Bahia fechou, o grafite praticamente sumiu com ela. É difícil você vê uma produção de grafite cem por cento nas ruas da cidade. Observe que a cena do bomb voltou com tudo. E, pra não deixar a cena do grafite morrer, é que eu estou tentando trazer isso de volta.
AAR – Hoje em dia se vê muita pichação na cidade. Você concorda?
Nikol – Também. O que espantou a gente aqui em Salvador foi o período político. A gente gasta R$800 ou R$900 de materiais pra pintar na rua, pensando que o nosso trabalho vai ficar ali, como uma divulgação para acrescentar na cultura da rua. Ou seja, que aquele local sirva como referência e tal. Mas eles chegam e apagam tudo, sem autorização. E mais: não há reembolso dos materiais. Isso a gente já vive há muito tempo.
AAR – Descreva o prazer que você tem em grafitar um espaço?
Nikol – Rapaz! Eu vivo isso! Eu amo isso! Eu não tenho amigo de infância (o tráfico de drogas levou todos), não tenho colegas de trabalho pra sair e curtir um churrasco. Tudo o que eu tenho é o grafite. Minha vida toda está nisso.
AAR – Quais os seus amigos mais próximos do grafite?
Nikol – Hoje em dia, graças a Deus, eu tenho contatos fora do Brasil. Em Salvador, não quero citar nomes, porque quero que todos sejam meus amigos (colegas). Mas, eu sou chegado mais ao pessoal da minha Crew SNE (Sempre Na Evolução), que pinta comigo, como por exemplo: Marcelo Fozi, Biel Andrade que é Been, Mask Conceição, Samuel Teles, que é Pase, Dlua de Simões Filho, além de Lee27, Fumax, Vidal, Neuro, Ixlutx. Não dá pra citar todos, mas tem grafiteiros que me identifico bastante, como é o caso de Bigod.
AAR – Tem um motivo especial?
Nikol – Ele foi o que mais me influenciou pra sair daqui, inclusive me levou pra minha primeira viagem ao MOF – Meeting of Favela (Encontro de Graffiti que ocorre em Duque de Caxias, na Vila Operária/Rio de Janeiro), onde tive a oportunidade de presenciar o grafite de verdade. Isso eu agradeço a ele.
AAR – Como você vê a cena soteropolitana?
Nikol – Rapaz! Eu garanto a você que aqui tem muito grafiteiro bom, de ótima qualidade. A gente não tem espaço, não tem material de fácil acesso, não tem apoio de projetos. Na maioria das vezes, a gente não tem apoio da própria prefeitura, que está querendo implantar a lei cidade cinza. Criou uma Lei e a Guarda Municipal é o órgão fiscalizador. No dia da intervenção na Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô), uma viatura parou e um dos guardas nos fez passar um constrangimento. Mas independente disso somos fortes.
AAR – A prefeitura não está desenvolvendo atividades com alguns grafiteiros?
Nikol – Não que eu saiba. É da prefeitura ou são projetos dos grafiteiros que foram aprovados através de editais ou coisas do tipo?
AAR – Existe união entre os grafiteiros soteropolitanos?
Nikol – Existe… Existe muito pouco (risos). Eu acho que hoje em dia a cena da pichação está mais unida do que a do grafite. Porque através do grafite, depois que começaram a ganhar algum dinheirinho a mais virou uma concorrência. Acabou aquele lance de amizade, de sair todo mundo. Cada um agora busca o seu espaço. Eu também quero viver disso, mas, eu aprendi com o pessoal que conheço, e que me imita muito também, a não pensar em viver disso. Pintar só por esporte. Se algum dia acontecer de ser, agradeço a Deus. Mas, por enquanto eu gosto de viver isso aqui.
AAR – Você alguma vez foi pego pela polícia? Qual foi a punição?
Nikol – A última abordagem aconteceu no lance da Guarda Municipal quando estava pintando o painel na Avenida Bonocô. Porém não teve punição. Falaram que está proibido por lei fazer grafites. Mas, a punição que me marcou foi em 2005, na Rótula do Abacaxi, período de caça aos pichadores. Eu estava com 10 latas de sprays, o desenho na mão pra fazer um grafite, no entanto fui algemado, tomei 12 bolos em uma só mão com o cabo de uma picareta, porque na outra mão estava cheia de pontos, além de 10 tapas no rosto. Também levaram todo o material. Eles ainda ordenaram que eu carregasse tinta em uma vasilha de margarina dentro do carro e me disseram o seguinte: “Se derramar a tinta dentro do carro você vai limpar com a língua”.
AAR – Os policiais agiram dessa forma?
Nikol – Sim. Eram agentes que a Prefeitura contratou para pegar os pichadores e grafiteiros.
AAR – Esse fato aconteceu no início do Projeto Salvador Grafita? E o que aconteceu depois?
Nikol – Isso mesmo. Depois de apanhar, tiraram fotos minhas e ainda me disseram que iam me inscrever no Projeto Salvador Grafita, coisa que nunca aconteceu.
AAR – Você já grafitou em outros lugares?
Nikol – Participei dos eventos Street of Style em Curitiba, Recifusion, edições 5 e 6 (Recife 2013 e 2014), Hall of Fame (Brasília 2013) e do Meeting of Favela (Rio de Janeiro 2011 e 2012). Marquei presença nos encontros de grafites nas cidades de Feira de Santana, Serrinha, Poções, no interior baiano.
AAR – Em relação à cena de Salvador, qual a diferença que você percebeu nas capitais onde esteve?
Nikol – Eu pensei que estávamos muito atrasados. A gente só não tem material suficiente pra bater de frente com a cena de fora. Porque nossos artistas são muito bons. As grandes empresas como Guaraná Antarctica, Nescau e RedBull, por exemplo, só dão apoio aos eventos de grafites, skate e hip hop de outros estados. Em Salvador não temos nada disso. É muito pouco.
AAR – O que diferencia o seu trabalho dos demais grafiteiros?
Nikol – Hoje em dia eu posso dizer que tenho um estilo próprio. Sou conhecido como “Marrento” (risos). Porque eu sofri tanto pelo grafite que aprendi a amá-lo. Além disso, eu percebo quem não ama. Por isso passo a querer manter um pouco de distância, entendeu? Já teve gente até que falou comigo que o grafite feito na parede de casa, ou na mesma rua em que moro é palhaçada. Não concordo com isso. Eu me sinto livre pra pintar na parede de minha casa ou na minha comunidade onde moro e sou reconhecido. Lá, sou bem tratado, recebo água, lanche, almoço. São coisas simples mais que fazem muita diferença. Na rua não é assim. Às vezes as pessoas ainda passam por nós e dão um esculacho ou gritam: “Vá trabalhar vagabundo!”.
AAR – Que diferença você percebeu de quando iniciou até agora?
Nikol – Rapaz! Eu posso dizer que evolui. Percebi uma diferença: naquele tempo a gente tinha mais união. Mesmo tendo aquela falsidade, de um olhar pra o outro e chamar de amigo, apertar a mão e depois falar por detrás. Mas, pelo menos estavam todos juntos, agregando ideias, os grupos, todos os estilos em um painel.
AAR – Você acha que a evolução que o grafite alcançou em Salvador, possibilitou maior liberdade de ação?
Nikol – Sim. Estamos tendo uma liberdade legal. Só espero que continue e não termine com a nova gestão da prefeitura.
AAR – Cite alguns grafites de sua preferência e onde foram pintados?
Nikol – Eu não vou puxar minha batata (risos), mas eu fiz um painel muito bonito no 2° encontro de grafite na cidade de Feira de Santana, um painel no Hall of Fame em Brasília e, tem uma “sopa de letras” e “letras versus personagem” no mesmo muro em Cajazeiras VIII.
AAR – Qual a dica que você dá pra quem está começando?
Nikol – Prepare o bolso e não desista.
AAR – Deixe um recado para quem estiver lendo esta entrevista.
Nikol – Então. Eu quero deixar bem claro que não sou melhor do que ninguém. Só procuro ser diferente. Por exemplo: eu acolho e ajudo muita gente que quer iniciar no grafite. Se alguém está começando agora e quiser fazer um grafite, não tenha medo ou receio de me chamar. Caso esteja disponível, eu prefiro pintar com quem está iniciando, do que quem já está na cena há muito tempo.
AAR – Por que essa escolha?
Nikol – O espaço que eu não tive pra aprender, a liberdade que não me deram, as dicas, a participação em oficinas de grafites, hoje em dia, a gente consegue com mais facilidade. Então, se você quer viver da arte do grafite, sem pensar no lado financeiro, mas curtir o grafite, sair das drogas, procurar alguma coisa pra “apertar a mente”, alguma coisa pra ocupar a sua mente, venha para o grafite que ele lhe abraça. Reconheço que os materiais são caros, porém vale a pena tentar. Dá pra fazer uma arte legal, se expressar de forma criativa na rua e, claro, ás vezes é possível rolar um troco com isso. Você vai vivenciar boas e más experiências. Tem gente que passa e elogia o seu trabalho, já outras só criticam. Mas grafite é isso: formações de ideias e diversas opiniões. Finalizo afirmando o seguinte: uma coisa é certa. É muito difícil o grafite levar a nossa vida para um lado ruim!
Graças a grafiteiros como Nikol, o grafite tem sido cada vez mais reconhecido em Salvador, o que torna tudo muito mais fácil pra quem quer começar a praticar. Só basta querer.
Não só evoluiu no graffiti mais também
como pessoa. Parabéns.
Respondendo a primeira pergunta, respondida com outra pergunta:
– A Arte na Rua – Cajazeiras é considerado um celeiro de grandes artistas?
Nikol – Será?
-Fumax – Sim. Existem inúmeros artistas de rua em Cajacity.
No teatro, na música, e dentre outros…É um
Caldeirão de cultura, só não tem visibilidade (espaço) que tanto nós buscamos.
Valew…paz!