A jovem Talitha Andrade, 30, formada em Produção Cultural pela Faculdade de Comunicação da UFBA, nasceu em Vitória da Conquista, mas reside em Salvador. Talitha, como é conhecida no meio artístico, conversou com o A Arte na Rua, e falou sobre o trabalho diferenciado que vem desenvolvendo no cenário soteropolitano e também da sua arte pra que “fosse política e não ficasse só no belo ou uma coisa agradável”, além de tratar das questões dos edifícios na cidade, pessoais, conflitivas, dentre outros assuntos. Confira!
(Fotos: byJFParanaguá e Divulgação).
A Arte na Rua – Você assina como?
Thalita Andrade – Eu assino as palavras…
AAR – Você não gosta de usar um tag?
TA – Desde o início eu não queria colocar meu nome. Eu achava que as palavras elas iriam dizer mais, do que identificar uma pessoa.
AAR – Então você quer ficar no anonimato?
TA – De alguma maneira (risos).
AAR – Você fez alguma pintura em Vitória da Conquista?
TA – Este ano. Aproveitei que fui fazer um trabalho de arte para o Salão e deixei três desenhos na rua.
AAR – Não houve nenhuma abordagem? A recepção foi tranquila?
TA – Geralmente eu faço coisas estratégicas já pra prevenir (risos). Acho que todo mundo acaba desenvolvendo um jeito (risos). Um dos meus trabalhos em Conquista foi o Edifícil na Cidade, que gosto de fazer em tapumes de construção, porque não tem implicações, além de dialogar com signos do prédio, do mercado imobiliário, das empreiteiras…
AAR – Como dialogar?
TA – Por exemplo: Com a questão do edifício, da construção de prédios cada vez mais nas cidades e aí vem o trocadilho da palavra do É difícil viver na cidade com o próprio prédio que sobe. Eu gosto de pegar a foto do desenho, geralmente os operários trabalhando…
AAR – Quer dizer então que você faz uma adaptação?
TA – Mais ou menos. Tudo vira signo. De quem mora, trabalha, constrói, quem de alguma maneira transita na cidade e tem seu espaço modificado. Essa série vem tratar destas questões.
AAR – Você primeiro faz uma pesquisa pra depois colocar o seu projeto na rua?
TA – Na verdade são várias etapas. Por exemplo, essas séries, elas nasceram mais ou menos no final de 2010, início de 2011. Então, com o tempo, geralmente elas ganham novos elementos e não é muito programado, é do próprio amadurecimento do trabalho. E aí, depois quando vou ver a repetição das angústias vou percebendo por onde o trabalho que ir. A partir disso, surgiu, por exemplo, o É difícil. Em seguida vou criando outros signos e colocando em volta pra dá outras leituras até ficar mais elaborado, mais abrangente e consistente.
AAR – Quanto tempo na cena?
TA – Com essa série assinando as palavras desde 2011.
AAR – Você já fazia antes?
TA – Os primeiros experimentos de rua foram em 2007/2008 e o marco inicial mesmo foi em 2010.
AAR – Você passou pela pichação?
TA – Não. Mas tenho uma pequena lembrança de alguns riscos que fiz na infância quando morava em Vitória da Conquista. Eu entrava às vezes no Parque de Exposições com amigas, munidas com latas de spray e riscava nomes do tipo: Tali, de times como Mengão, essas besteiras. Também riscamos a casa da mãe de uma amiga e ela ficou louca (risos). Além de algumas frases de protestos.
AAR – Hoje você ainda faz?
TA – Às vezes, em paralelo faço, mas buscando completamente o anonimato mesmo.
AAR – Pode citar alguma?
TA – Ah! Tem umas duas, mas não dá pra falar. Não dá porque (risos)…
AAR – É contra o sistema?
TA – Totalmente, mas não dá pra revelar, pois envolve coisas pessoais e, aqui na Bahia, críticas ao sistema de qualquer maneira vira pessoal e tem retaliações. E também porque envolveu coisas pessoais.
AAR – Como surgiu o seu interesse pela arte? Você iniciou pelo desenho?
TA – Isso. Eu cursava Produção Cultural pela Facom (Faculdade de Comunicação da UFBA) e nesse período morei com três artistas plásticos da Escola de Belas Artes. Em 2005 foi o meu primeiro contato com as artes visuais. Eu gostava de acompanha-los nas montagens das exposições. Nessa época, Dimek e Anderson moraram com a gente por um tempo, e ao lado da nossa casa tinha outra abandonada que também ocupamos. Nesse local, aconteciam reuniões da galera do Crew 071. Nesse tempo eu não imaginava que realmente um dia iria fazer desenho ou grafite na rua. Eu gostava de frequentar bibliotecas, ler livros e tive a oportunidade de ter acesso a uma publicação de Fayga Ostrower, quer é uma artista plástica e escrevia muito sobre processo criativo. O título do livro é Acasos e Criações Artisticas. Quando eu li esse livro me despertou incrivelmente a vontade de criar, de ter acesso a esse processo criativo e todas as suas implicações. Então eu comecei a desenhar e não parei mais. A partir daí, eu já peguei um spray e comecei a riscar na cidade, agindo no Canela, na Contorno…
AAR – Foi um ensaio?
TA – No quintal da minha casa tinha umas muretas baixas e passei a riscar. Também tinha um amigo chamado Jacob Nascimento, que me incentivou muito no inicio: “Talitha que lindo! Tá massa!”. Na verdade eu queria mexer com tinta pra ter um insite pra fotografia. Eu queria compreender as cores primárias e complementares, sacar as cores. Walter Firmo, que é fotógrafo e admiro muito seu trbalho, ele gosta de usar muitas cores em suas fotografias e eu dizia pra mim: “Porra! Eu quero treinar fotografia pra quando bater o olhar enxergar as cores incríveis”. E aí comecei a ler os livros, mas não conseguia memorizar as relações com as cores. E me questionava: “Tenho que mexer com tinta pra entender como é que funciona esse negócio”. Então, as formas gritaram mais do que a própria fotografia que acabou virando apenas o registro.
AAR – Qual a opinião e reação de seus pais nesse cenário?
TA – Pra eles é uma grande surpresa, como pra mim. Porque a arte era tão distante. Meus pais sempre trabalharam como comércio, minha cultura da infância até o começo da adolescência foi sempre cultura de massa. Eu vim ter acesso a arte mesmo através do cinema. Eu gostava de ir muito ao cinema no interior e alugar filmes, porque não tinha muito pra fazer sendo mulher (risos), ainda mais com várias restrições (risos) na criação de uma mulher (risos). Meus pais falavam: “Você não pode ficar na rua até tarde, não pode isso, não pode aquilo (risos)”. Então o cinema foi essa grande porta pra descobrir o mundo. Quando cheguei a Salvador eu não sabia direito que queria fazer da vida. E eles tinham essa cobrança porque queriam que eu entrasse na faculdade, com essa preocupação de como é que se encaminharia a vida da filha. E a filha perdidaça (risos), tendo contato com as artes visuais que era uma coisa que eu realmente não conhecia. Tinha conhecimento dos pintores, como: Monet, Van Gogh, Renoir. Comecei a fazer pesquisa dos impressionistas que eram os primeiros que me chegavam e me tocavam. Queria saber mais detalhes da vida deles. No inicio o que me chegava era sempre o mais fácil e acessível a arte europeia, que de alguma maneira influenciava e, até hoje, influencia bastante e da qual somos bombardeadas o tempo todo. O que conhecia de artes visuais era isso. E quando eu fui morar com os meninos e peguei um catálogo de arte contemporânea não entendia nada daquilo. E me perguntava: “Meu Deus! O que é que é isso? Cadê o texto pra me entender o significado? (risos)”. Tudo isso foi um choque e uma angústia ao mesmo tempo, mas me fascinou muito.
AAR – Então eles gostaram?
TA – Hoje é a descoberta. Eu descobrindo e eles também. Estão percebendo que eu estou feliz e que este caminho existe e é possível trilhá-lo.
AAR – Cite algum grafiteiro que você admira?
TA – Têm muitos. Acho que o grafite vem ocupar esse lugar da pintura contemporânea, que é incrível! Na arte de Salvador tem o Limpo que eu acho incrível! Também tem o Flos, a galera do 071, Kuza, Chermie, Kpitú, Rebecca Silva, Iel, Sista Kátia (apesar de não conhecer muito trabalho dela, curto muito a sua atitude politica), Laura Castro (descobri ela esses tempos, mistura frases, poesias e formas de mulheres. Ótimo trabalho), que tenho acompanhado e gosto bastante. Na arte nacional, curto os Gêmeos, que acho fantástico. Em 2010, quando eu estive em São Paulo, enlouqueci com a dimensão da cena paulista: “Meu Deus do céu, o que é isso? Fiquei tipo uma Macunaima, como tabaroa, olhando todas as coisas (risos)”.
AAR – No seu retorno aconteceu algo?
TA – Voltei com vontade de pintar. Eu comecei a pintar a minha casa no Garcia do mês de agosto até dezembro. Pensei: “Aqui vai ser o meu ateliê”. Faltou tinta. Contei com ajuda da vizinhança. Fiz um projetinho pra Pizzaria em frente a minha casa e ganhei umas latas de tinta pra terminar a pintura. E também sem muito saber, experimentando mesmo. Fiz uma exposição chamada “Civilização Mágica”, que é o título do blog (www.civilizacaomagica.blogspot.com). Pra essa exposição pintei toda fachada da casa, forrei a parede com as folhas da agenda com desenhos desde 2007, inclusive tem uma entrevista no link https://www.youtube.com/watch?v=ix859YG3WXI. Foi um dos momentos incríveis. Muito lindo
AAR – Como surgem suas ideias? São inspirações, temas do cotidiano ou algo específico?
TA – Completamente do cotidiano. Desde 2007, quando comecei a desenhar era quase todos os dias, coisas que me angustiavam, de como recebia essas informações todas da vida que me chegavam. Em 2010 quando surgiu a série, eu sempre quis que ela fosse uma arte política e nunca que ficasse só do belo ou de uma coisa agradável. Eu tive receio que ficasse num lugar comum.
AAR – Você queria fazer uma arte contestadora?
TA – Exato. Porque a vida me chegou muito difícil e como chega a muita gente também. De alguma maneira 2010 foi um momento de divisor de águas. Estava me formando. Minha mãe me ajudava a pagar o aluguel. E neste momento era a ruptura. Pois tinha que apostar na minha arte e ao mesmo tempo sobreviver dela. Minha escolha foi arranjar um trabalho de carteira assinada e aceitar toda a limitação da vida adulta. Tinha que dá certo, estava mais do que nunca lutando pra sobreviver da maneira como acreditava e como consequência ia dizendo com minha arte o que achava disso tudo. Então, nessa época surgiu a primeira série O Grito e, logo em seguida, todas as outras foram sempre muito frenéticas e urgentes. Todas as series, elas falam da mesma coisa, com outras palavras e outras cores.
AAR – Por que você não tem um tag?
TA – A questão da assinatura era de alguma maneira pra manter o anonimato, mas hoje as pessoas já associam ao trabalho que estou sempre divulgando. Mas se alguém tem interesse, eu acho que chega ao nome, do tipo: “Quem fez?”. Você acaba pesquisando e descobre. Mas o objetivo não era que chegasse a mim primeiro, mas à ideia, entendeu? Então, pra mim era muito mais importante que não chegasse a Talitha, mas chegasse ao Luto, ao É difícil, ao Duelo. Nessa questão política, de conflito. A mensagem para mim é mais importante do que qualquer coisa.
AAR – Por que desenhos estão sempre associados a uma única palavra? É um apelo? Você pode explicar o significado?
TA – O primeiro foi O Grito. Eu tinha vendido tudo. Comprei uma bicicleta e esta viajando, a fim de decidir onde é que eu ia me assentar. Como me encontrava só, a minha companhia foi um pingente do quadro O Grito de Munch. No caminho achei um livro chamado “Meu nome é Vermelho”, que trata das questões das pinturas de Istambul, do contato do Oriente com o Ocidente. O pigmento da cor vermelha era um dos personagens que ajudava a decifrar o assassinato do Sultão que tinha encomendado um quadro. E de alguma maneira aquilo me inspirou e me fez pensar: “Eu tenho que ser clara e prática. Parar de viajar. Diminua as escolhas. Fazer o desenho de duas cores, uma palavra… ser mais direta”. Quando você fala uma frase inteira, são várias palavras fazendo com que o significado aumente. Mas, se você pega uma palavra apenas e coloca-a sozinha, aí ela ganha outra dimensão, uma amplidão. E eu me interessava com isso. Ao mesmo tempo, que fechava as possibilidades, eu abria o leque para milhares de outras, deixando-as novamente aberta e dialogava também com as formas, que me vinham muito facilmente à tona.
AAR – Quando fotografei pela primeira vez o Luto, imaginei tratar-se de algo fúnebre. Ao observar mais detalhadamente a fotografia percebi ter outro significado. Essa série Luto é uma forma de protesto?
TA – Isso mesmo. O Luto nasceu nas eleições municipais de 2012. Eu estava indignada com tudo que cerca nossos aparelhos políticos e com as atitudes de nossos políticos, que sai disparando o luto por vários cantos da cidade. Logo depois veio às manifestações da Copa das Confederações, os aparecimentos dos Black Bloc, a luta, o conflito… Tudo foi se incorporando e dando força para minhas indagações. Sempre figuras femininas fazendo alusões aos universos cristãos, mulçumanos, onde o feminino é sempre visto como martírio e penitência e misturando com a LUTA presente na cultura, das ninjas e Black Bloc. Neste tempo ainda misturando com as questões pessoais de luto e lutas cotidianas, como a agressão sofrida pelo segurança da galeria do ACBEU. O Grito, o Edifícil na Cidade, com essa questão dos prédios, do mercado imobiliário. O Duelo, geralmente são questões pessoais, essas relações que às vezes são conflitivas e, ao mesmo tempo geram elos. E a dificuldade de comunicação dos seres.
AAR – Como você planeja sua estratégia de ação? A escolha do local?
TA – Desde as primeiras intervenções eu gostei de ir pros lugares próximos de onde moro, onde circulo mais, e por consequência me sentir mais segura. Sempre pensei em terrenos baldios, lugares onde já sejam pintados ou tenham tags, desenhos. Geralmente essa estratégia é por causa da polícia, para já ter um argumento. Sempre usei tapumes pra de alguma maneira tentar diminuir o impacto…
AAR – Por exemplo, preservar a sua integridade?
TA – Sim. Minha integridade e por ter também essa compreensão da questão da intervenção, o respeito. Acho que a cidade já é tão desrespeitosa, claro que também tem o desrespeito do meu trabalho e, eu quero que tenha, porque a cidade ela é desrespeitosa. Mas, também a gente tem que saber onde ela é desrespeitosa.
AAR – Você prefere de fazer seus trampos só, em dupla ou em grupo?
TA – A maioria dos meus trabalhos é feito sozinha, gosto muito de sair sozinha para pintar. Quando você me perguntou se eu tinha alguma referência, foi uma coisa muito individual, partiu sempre do individual do tipo: vamos fazer pra vê o que dá. É uma angústia muita forte.
AAR – Você tem lembrança quando fez pela primeira e o local da intervenção?
TA – Foi em 2008 no Garcia.
AAR – E o tema?
TA – Saudade e Esquecimento. Eram dois passarinhos juntos. Um se chamava Saudade, o outro Esquecimento.
AAR – Foi difícil tomar uma decisão no primeiro dia de intervenção?
TA – Não. Foi quase igual a respirar (risos).
AAR – Na Rua Leovilgildo Figueiras, no Garcia, em frente ao Colégio Antônio Vieira, existe uma pintura com uma personagem feminina segurando a cabeça de um boi e desenhos similares aos seus. Você participou dessa intervenção?
TA – Cabeça de um boi?! Ah!… É meu e de Naara Nascimento.
AAR – Essa pintura é muito intrigante. Você concorda comigo?
TA – É (risos). Foi um processo muito gostoso de fazer. A gente planejou antes, desenhou depois e, aquele personagem da mulher carregando a cabeça de um boi é de autoria de Naara. O meu é do bichinho assoprando uns quadradinhos, atrás tem uns prédios caindo umas cabeças e cerquinhas. A gente foi casando o traço de uma com a outra. Usamos um dia quase todo para fazer e ainda tivemos um contratempo com um pastor de igreja que se dizia o dono do muro.
AAR – Tem um nome, um significado?
TA – Não. Ali é uma pintura coletiva, um painel. A gente não deu um título, porque ela não trabalha com título. Mas eu quis usar, por exemplo, as cores do Edificil na Cidade. O bichinho que aparece cuspindo das janelas, eu procurei usar cores pra criar esse dialogo com meu trabalho.
AAR – Quando você decidiu se transformar em uma grafiteira espelhou-se em alguém?
TA – O termo grafiteiro ou grafiteira, pra mim ainda é muito diferente, estranho.
AAR – Você não se considera uma grafiteira?
TA – É isso. No meio do grafite eu não sou considerada grafiteira, porque eu acho que tem o grafite quanto cultura e quanto à técnica. Enquanto cultura eu não faço parte do Movimento Hip Hop e toda essa construção que eu nunca vivenciei e da qual não faço parte. Agora, já a técnica, digo que nós utilizamos a mesma.
AAR – Nem todo grafiteiro faz parte da cultura Hip Hop.
TA – Eu já tive algumas discussões a respeito com Sista, conversando sobre esse assunto. Ela inclusive tem uma posição bem radical, em que diz assim: “Tem muitas pessoas que vem para o grafite, não contribuem pro Movimento e depois usam da fama”. Então é bem complexo. Sempre que eu participo dos projetos ou alguém me pergunta, respondo que faço pinturas, grafites e protestos e que não sou grafiteira.
AAR – Então, qual é a denominação pra sua arte?
TA – Eu me intitulo artista urbana. Já pensei o seguinte: o grafite de pintar na rua não é o fim, é o início, entende? Claro que estar na rua é muito importante, é a base para desdobrar os trabalhos em outros ambientes e utilizar outras técnicas. Esse aqui, por exemplo, (mostra-me uma folha impressa da página de Populares de um jornal de grande circulação, com anúncios de prédios e no meio uma foto do É difícil), faço o grafite, fotografo, depois publico no jornal. Já comecei a utilizar o jornal que também trata desse cotidiano. Em Conquista utilizei a serigrafia no jornal, depois distribuí nas bancas de revistas.
AAR – Nas suas intervenções você utiliza tinta látex? Além desse, tem outros materiais?
TA – Eu uso pouco látex. Uso mais tinta de piso e tenho aplicado muito o esmalte à base de água, principalmente a cor branca que é incrível.
AAR – E o spray? É com ele que você faz os contornos?
TA – Uso muito pouco o spray. Utilizo trincha e pincel nas letras e nos contornos.
AAR – Como você transporta esse material?
TA – Geralmente dentro da mochila. Levo tinta dentro de uma garrafa, água pra misturar a tinta, copo, pincéis e trinchas. O spray eu tenho muita vontade de trabalhar, só que ainda não consegui. No início eu usei bastante, mas depois parei. Recentemente fiz um Luto, uma caixa de remédio tarja preta numa caixa dessas de luz que fica espalhada pela cidade, fiz um estêncil com spray e ficou muito legal. Acho o material incrível, só que é muito caro (risos). Eu não consigo tirar mais grana de meu orçamento mensal para comprar spray (risos). Gasto nos desenhos com tinta por volta de R$10. Com sprays ficaria por desenho em torno de no mínimo 20, 30 ou R$40.
AAR – -Você percebe algum preconceito nessa cena com as mulheres? Ou não acontece nada?
TA – Como não acontece! Rola bastante, não só na cena, como na vida. Agora falo mais da vida que é onde estou mais presente. Não tenho muitas relações intimas com a cena local. Mas falando da vida como um todo sinto o bastante da hora que você acorda até a hora que você vai dormir (risos). A sociedade tende a menosprezar a mulher, colocando-a sempre no papel apenas do desejo sexual e do objeto. Por ser mulher e andar diariamente na rua ao ser abordada e ouvir “merdas” dos caras. É recorrente aquela pergunta de ter alguma diferença por ser mulher. Mas como ser diferente!? Se os gêneros são tão bem divididos desde o nosso nascimento onde o homem tem uma criação bastante privilegiada em relação a mulher, e somos educadas apenas para servir. Me enoja isso tudo. O Brasil é muito machista. A humanidade é muito machista. E Salvador não fica atrás. É uma cultura.
AAR – Qual a reação da galera quando você está pintando? Participam, dão sugestões ou gritam, como por exemplo: Menina! O que é que você está fazendo aí?
TA – (Risos). Nossa!… Já aconteceram inúmeras vezes. Ameaças do tipo: “Vou chamar a polícia”. Isso aconteceu em Barreiras. Na cidade não tinha nenhuma pintura, só algumas pichações. Eu estava pintando um Meio Ambiente num tapume na praça e de repente chegou um cara e falou: “Vou chamar a polícia!”. Eu pensei comigo mesmo: “Oh! Meu Deus!” Mas, também tem muita coisa bacana que você escuta. Mas já teve situações bem engraçadas e bem difíceis.
AAR – Você desenvolve outra atividade, além das intervenções urbanas?
TA – Sim. É tão difícil! (Risos). Mas a gente se vira nos trinta. Eu já trabalhei um tempo com mediação, com arte educação, escrevi muitos projetos, mas sempre voltado pra arte. Também tenho conseguido nesses últimos quatro anos viver exclusivamente de arte, no limite, claro! Participei de projetos, produzindo minhas coisas e de minha namorada Roberta Nascimento. Atualmente estou desenvolvendo um trabalho com ela sobre fotografia, vídeo e design. Então, sempre de alguma maneira sobrevivendo do desdobramento da imagem.
AAR – Permita-me entrar na sua vida pessoal. Você é adepta da relação homoafetiva? Você não tem receios de reações sobre sua opção?
TA – Sim. Sou adepta e também militante. Não tenho receios das reações. Inclusive aconteceu um fato lastimável numa exposição de Eder Muniz, realizada no ACBEU, quando o segurança do evento me agrediu no rosto e deu um soco no olho dela. Ele foi brutal e violento. Por ser assumida já sofremos vários atos de violência verbal na rua. Em Patamares, por exemplo, pediram pra gente sair da praia, inclusive fomos à Delegacia prestar queixa. Em Natal também.
AAR – Essa agressão resultou em várias manifestações pichadas na via pública, querendo uma resposta do ACBEU. Ainda hoje podem ser identificadas em pontos diferentes da cidade.
TA – A violência até então que me chegava sempre foi verbal, mas a física que aconteceu pela primeira vez foi no ACBEU. Foi um período muito pesado na minha vida e na de Robertinha, não tínhamos pedido pra acontecer nada daquilo, e nem sabíamos que a violência estava tão perto. Para contrabalancear o processo houve muitas manifestações favoráveis à gente e, de alguma maneira fiquei muito feliz por saber que grande parte da sociedade soteropolitana se sentiu tocada e se manifestou frente a uma cena gratuita de violência.
AAR – Como é ser uma artista urbana nesse universo masculino?
TA – É uma escolha politica. Não sei se ficou muito claro, mas pra chegar na arte foi um processo de descoberta e auto conhecimento, o fácil como respirar pra ir pintar pela primeira vez, que era quase como não ter o que fazer, de se impor, de eu não vou mais baixar a cabeça. Vou me impor na vida, vou usar a arte como instrumento de denúncia. Tem por trás de toda minha trajetória de sobrevivência, digo sobrevivência, porque sou sobrevivente de todas as fases anteriore. Viver não é fácil não. Então, estar no meio da arte urbana, realmente pra mim é uma surpresa. Não foi uma coisa que pensei do tipo: vou virar uma artista urbana da noite para o dia, vou estar nas ruas fazendo desenho, mas, que me apareceu através das minhas escolhas e buscas por estar cada vez mais consciente e praticar minha cidadania. Está nesse ambiente cada vez mais me fortalece e me traz mais consciência, pra mostrar outro ponto de vista ou mostrar um ponto de vista de uma mulher com todas suas questões e desconstruções e conquistar esse espaço para que seja multíplo e diverso.
AAR – O que diferencia o seu trabalho das outras minas?
TA – Acho que cada uma tem uma angústia de alguma maneira e estamos falando de nossas experiências. A única diferença é essa. Minha experiência é diferente e é a mesma, né? E acho que todas, pelo menos, eu acompanho bastante o trabalho da Kpitú, da Chermie, da Rebecca Silva, da Mônica. Essas são as que estão me vindo mais a mente. A gente está falando desse corpo feminino, de ser mulher. Eu tenho um problema com as tradições, essa questão do grafite por exemplo. Eu acho que as culturas tradicionais são muito problemáticas. Eu não sei nem como falar, porque de alguma maneira elas são tradicionais de uma cultura masculina. Então, por exemplo, essa questão de respeitar o mais antigo, peça licença, você chegou agora. Acho que os caras do grafite têm muitos dessas coisas.
AAR – Qual a recompensa que você está tendo com a arte de rua?
TA – A recompensa ela é individual mesmo, de estímulo, de está algum momento muito angustiada, de você ir à rua fazer um trabalho que sabe que tem muita verdade e lhe faz ficar mais vivida e presente.
AAR – Você já perdeu ou ganhou alguma coisa do grafite?
TA – Sempre ganho.
AAR – Você foi aborda pela polícia? E como aconteceu?T
TA – Já e aconteceu na Rua Carlos Gomes, Centro. Aquela minha primeira estratégia de pintar em tapume. Ele disse: “Você pediu autorização?” Eu respondi: “Pô! O muro já está pintado”. Então ele me disse: “Tá bem. Termina aí”.
AAR – Quais são os grafiteiros e grafiteiras que você admira?
TA – Em Salvador: Limpo, Flos, Kuza, Naara, Kpitú, Chermie, Sista, 071, Rebecca Silva. Nacional e internacional: Magrela, Anarkia, Herakut, Speto, os Gêmeos, Nunca, Aryz, Blu, Fefe Talavera E tem tanta gente ainda… Criatividade está em tudo e em tod@s.
AAR – Todo mundo tem um sonho. Qual é o seu?
TA – (Risos). Sobreviver fazendo o que acredito: Arte! Sobreviver dignamente (risos). Não pirar!
AAR – Que conselho você daria para as meninas que estão começando?
TA – Coragem (risos). Respirar, levantar o peito e não ter medo. O medo é um boicote que nos aprisiona no conhecido e nos impedi de correr junto com nossos sonhos. Os boicotes estão dentro da gente. E essa lição a gente aprendeu direitinho. Então sejamos corajosas para desconstruir nossa própria criação que é limitadora e nos castram em sua essência. O caminho com coração existe e as pessoas também!