O carioca Kaja Man (André Lourenço da Silva), destaque nesse amplo universo do grafite, reconhecido pela sua linguagem, estilo e técnica, é um dos organizadores do MOF – Meeting Of Favela, principal evento dessa modalidade realizado, na cidade do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, para o A Arte na Rua, concedida no Musas (Museu Street Arte de Salvador), ele faz um balanço das suas atividades artísticas, inclusive, revela que a influência no grafite foi por conta do skate e do grafiteiro Fábio “Ema”, acompanhando o processo de pintura dele do início até o final, durante um evento na Rocinha. (Foto: byJFParanaguá. Denuncie abusos. Direitos reservados).
AAR – Qual a origem de Kaja Man?
K – É proveniente de uma sucessão de apelidos. Foi uma fusão que surgiu a partir de Kaja. Na verdade, do André Kajarana. Na época, existia uma novela que um dos personagens chamava-se André Cajarana e, por causa do prenome André, a galera passou a me chamar de André Kajarana. Depois, tiraram o André, ficando só o Kajarana. Em seguida, suprimiram o “rana”, sobrando kaja. A partir daí, começaram as brincadeiras meio sem graça, tipo: “Cajá é fruta! Cajá é fruta!” (Sic). Risos. Contrariado eu respondia: O cajá é fruta, mas o meu é com a letra K. Só que esse apelido foi antes do grafite. Na infância, o apelido era Teco.
AAR – Quando você iniciou na cena?
K – Final de 99.
AAR – Como grafiteiro ou pichador?
K – Não. Minha influência no grafite veio através do skate. Desde moleque sou fissurado nesse tipo de esporte. Através dele me influenciei pela cultura Hip Hop, envolvendo-me com a galera. Conheci muita gente e comecei a relacionar melhor a história do espírito de andar de skate, porque tinha muito grafite. Também nos eventos de rapper encontrava grafite. Por isso, passei a me ligar muito nessa situação de sempre estar carregando essa coisa comigo. Pelo fato de já desenhar desde criança, quando via os grafites, pensava: Pô! Eu sei fazer isso. Até que um dia resolvi cair pra dentro da parada. Mas, antes do grafite, já cheguei a fazer alguns painéis de festas. Recordo-me que era o mais cotado pra pintar nas festas juninas.
AAR – Você herdou de alguém esse lado artístico?
K – Tenho alguma influência. Mas, sei que não é tão próximo. Quando criança, morei por um período na casa de uma tia e o meu primo, nessa época, gostava de desenhar. Acompanhei por um bom tempo o seu processo criativo. Ele gostava de desenhar, esculpir e dançar. Então, foi uma grande influência pra mim nesse período. Como adolescente não tenho nem como dizer se tive influência de X ou de Y.
AAR – E no grafite, alguém lhe influenciou?
K – No grafite posso dizer que foi uma coisa involuntária. Num determinado dia decidi uma coisa pra mim: Agora sei que vou experimentar mesmo. Aconteceu num evento que fui cantar na Rocinha, como MC. O Fábio “Ema” estava grafitando. Nesse dia, parei para acompanhar o processo da pintura do grafite, do início até o final. Fiquei olhando e falei pra mim mesmo: Isso é bom pra (sic). Vou experimentar isso aí! Outro fato relevante: O clube Zoeira, local onde acontecia nos fins-de-semana a principal festa de rap nos anos 90, considerado a balada da sensação, tinha muito grafite do próprio artista. Às vezes, quando ia ao banheiro, notava os desenhos de alienígenas feitos por ele. Impressionado com as pinturas do Ema, dizia: Esse cara é enjoado mesmo! Ou seja: o cara é bom!
AAR – Então, o artista Ema, teve grande influência no início da sua vida artística?
K – Posso afirmar que a informação mais latente que tive, refiro-me a fazer grafite, foi por influência de Ema. A partir daí, comecei a observar na Revista Rapper Brasil, que sempre trazia uma ou duas páginas falando de grafite. Através dela tomei conhecimento dos trabalhos de Marconi, Speto, Binho e de uma galera de artistas. Então, parti em busca de mais informações a respeito do grafite.
AAR – Qual estilo você adotou na época?
K – Ah! Todos possíveis. Era muita informação e muita vontade de fazer. Então, pegava um pedaço de um, um pedaço do outro, uma hora estava fazendo letra, outra hora estava fazendo personagem, outra hora não estava fazendo (sic) nenhuma.
AAR – Como você identifica a sua arte atualmente?
K – Foram várias transições. No tempo de moleque curtia muito os desenhos do Pica-pau. Procurava entender como os caras desenhavam e faziam aqueles movimentos. Não entendia como era o frame. O que me chamava atenção não era nem o movimento, mas os traços limpos. Tentava fazer mais não conseguia. E quando descobri o spray, percebi o quanto era possível fazer os tais traços. Naquela época, não existia computador. Foi muito interessante descobrir o quanto era possível fazer aquilo com spray, embora já tivesse feito outras pinturas com pincel.
AAR – Você pode citar outra descoberta?
K – Claro que sim. Descobri no spray uma ferramenta mágica. Então, comecei a experimentar uma forma de traço vetorial, mais limpo, mais gráfico. Daí, parti para pesquisar formas simples de se fazer um desenho, nada muito elaborado, sem sombra, luz, até porque nunca tive muita paciência pra isso. Eu sempre gostei de coisas mais espontâneas e mais rápidas. No spray, descobri a possibilidade de fazer uma transição de trabalho, até pra forma de execução, por ser mais rápida, dominar mais o espaço como se fosse aquela coisa ergonômica. Dominar e ficar bem mais harmoniosa. Como estudo e pesquiso muito, posso classificar o meu trabalho como orgânica, mas não como vetorial.
AAR – Você faz parte de algum Coletivo ou Crew?
K – Há muito tempo faço parte do Post471.
AAR – Do grafiteiro Black?
K – Isso mesmo. Black é do mesmo grupo e estamos juntos batalhando há muito tempo. Desenvolvemos projetos paralelos e coletivos. Às vezes, rola um projeto de oficina que se não der pra um, então a gente diz: olha fulano está rolando um projeto aqui que pode interessar a você. Se alguém não se interessa, então cola na grade.
AAR – Você faz parte do MUF?
K – Não. Faço parte do MOF. O MUF é outro projeto que tem lá no Rio.
AAR – Qual o significado de MOF?
K – É a sigla de Meeting of Favela, um projeto que idealizei. Na verdade não idealizei, foi uma evolução. Durante alguns anos, aconteceu no Rio de Janeiro, uma série de mutirões de grafite onde as pessoas se reuniam com um representante de uma determinada comunidade, convocava os grafiteiros e o morador tornava-se um líder como se fosse um produtor cultural, um agente local. Conseguia lanches, som pra galera, látex e todo mundo participava desse mutirão na comunidade. Isso acontecia mensalmente ou bimestralmente, só que começou a fugir de controle.
AAR – De que modo?
K – Às vezes, num mês eram realizados dois ou três mutirões. E como eu participava direto com MVHemp e Cris, uma turma que articulava mesmo e se prontificava a fazer o fly para divulgar o mutirão, a gente percebeu que virou bagunça. Por exemplo: Se fosse aniversário de um MC, rolava churrasco e mutirão de grafite; aniversário de Papai Noel mutirão de grafite; aniversário do vereador fulano de tal, mutirão de grafite. Então, ao perceber comentei: Cara, isso não dá! Então falei pra turma: Lá, na Vila Operária, em Caxias, comunidade onde eu morei, é um lugar tranquilaço. As pessoas podem dormir tranquilas nas calçadas, entrarem e sairem a qualquer hora do dia. Pode-se organizar um evento legal. Pôxa! Eu sabia que na Vila Operária tinha força, conhecia muita gente, era uma pessoa influente e conversando com a comunidade iriam entender que o evento seria de uma forma diferente. E foi assim que comecei a meter a cara, dialogando com os moradores, com o presidente da associação de moradores, além de comentar a ideia com outras pessoas que me diziam: “Está bom, vamos fazer”.
AAR – E quando aconteceu o primeiro mutirão?
K – Em 2006, teve o 1º Mutirão de Grafite da Vila Operária, e os moradores aprovaram. Na Vila Operária, percebi uma grande possibilidade, porque eu sabia que a comunidade iria abraçar de forma diferente.
AAR – E o MOF como surgiu?
K – Foi uma ideia, um estalo. Na verdade, uma transição que aconteceu pelo seguinte: todos os anos, grafiteiros, MCs, By-boys se deslocavam de outras partes do Brasil, para participarem do Prêmio Rotus, no Rio de Janeiro. No Rotus, acontecia uma série de eventos com dias marcados. Depois, as pessoas ficavam a ver navio, porque não tinham direção, não tinha quem orientasse ou quem providenciasse hospedagem pra essa turma. Então, ficou uma coisa meio sacana. Foi aí que surgiu o estalo. Como o Rotus estava pra acabar e a galera precisava ter um motivo de vir pro Rio, o MOF passou a ser a parada da vez. Todo mês de novembro, época do Rotus, agora vai acontecer o Meeting of Favela. Vai ser o mutirão dos mutirões. Independente do que aconteça por aqui, o evento será realizado sempre no mês de novembro.
AAR – Quantas edições têm o MOF?
K – Já está na sétima edição.
AAR – Qual número de participantes do penúltimo evento?
K – Foram 500 grafiteiros, vindos de várias partes do Brasil e de fora: Chile, Argentina e Colômbia.
AAR – Os grafiteiros têm liberdade de pintar nas residenciais dessa comunidade?
K – Aí é que está o X da questão. A gente quando vai pintar na rua, tem aquela coisa de chegar e pedir autorização ou não. Só que dentro da comunidade você vai pintar a casa de uma pessoa.
AAR – A liberdade é limitada?
K – Não posso dizer uma liberdade. O artista deve ter o bom senso de chegar e conversar. Às vezes, o morador é flamenguista. Às vezes, o morador bate tambor, ou, às vezes, o morador é crente. Então, tem toda essa questão da relação do artista que vai realizar aquela pintura.
AAR – O mais indicado é um diálogo com o morador para saber o que ele quer?
K – Exatamente.
AAR – É livre a temática?
K – Se o cara que for pintar naquele muro, o morador não concordar, ele deve partir pra o próximo muro. Tem muros que são renovados, tem muros que simplesmente estão lá, mas, ninguém quer que mexa. Tem morador que cobra do artista: “Você não vai pintar o meu muro de novo não? Minha pintura está velha”. É uma pintura do ano passado, mas o cara já quer uma coisa nova.
AAR – Com duas passagens por Salvador, como você observa a cena em nossa cidade?
K – Você se refere à estética ou a relação de execução?
AAR – Refiro-me as duas coisas.
K – Eu pintei em São Caetano com Furone, Bigod e Ixluts e no evento que aconteceu em São Cristovão, organizado pelo Ixluts. Mas, não tive a oportunidade de uma relação direta com a rua, principalmente no centro. É uma coisa que se torna muito complicada falar, ainda mais que não sou adepto da vertente bomb. Admiro quem faça pela coragem, atitude, mas, particularmente gosto de chegar num determinado lugar e, em vez de destruir, gosto de construir. Por exemplo: posso chegar no local com a tinta látex, pintar um fundo na parede com uma gama de cor maneira e construir alguma coisa legal. Eu curto essa pegada no Rio. Aqui, em Salvador, observei que tem muita gente que pinta e não estão muito preocupados com essa coisa da estética, tanto da cidade, como do que está pintando. As pessoas querem pintar. Isso tem muito, porque notei da Ribeira até o centro. Não tem um muro que não esteja pintado. No entanto, tem muros que mereciam estar pintados e do jeito que estão precisam ter uma parada bacana pra dizer porque o grafite estar aí, porque o grafite existe. Eu penso assim.
AAR – Vocês levam a sério a questão da ética no Rio?
K – O que você quer dizer com isso?
AAR – Do artista não pintar por cima de outra arte.
K – Isso existe em todo lugar. Lá fora não, mas aqui no Brasil, é muito normal. Mas, às vezes, involuntariamente, acontece uma coisa ou outra de um cara achar que o outro não vai pintar mais, achar o que cara não existe. Então, ele pinta por cima. Isso acontece em qualquer lugar e as pessoas que fazem isso, de certa forma, se dão bem, entre aspas, ou são cobradas.
AAR – Estive no Rio no ano passado e identifiquei um trabalho seu no muro de uma escola na Lagoa Rodrigo de Freitas.
K – Pintei no muro do CAP, Colégio de Aplicação. Interessante que pintei lá. Não é que relute. Mas, costumo dizer que não tenho hábito de pintar na Zona Sul. O local já é bonito demais, tem mar, tem praia, tem meninas bonitas…
AAR – Você quer deixar alguma mensagem?
K – A mensagem que costumo deixar sempre é a seguinte: a gente não deve parar de estudar. Não é a Matemática, Ciências ou Português, mas, é o de estudar a política do por quê a gente está aqui? E grafite pra sempre, independentemente da vertente.
kajaman471.blogspot.com.br, facebook.com/kajamanrj, flickr.com/fotos/kajaman
Correção: Na legenda da segunda foto, onde se lê Solar do Ferrão, leia-se Solar do Unhão.
Hannah, já fiz a correção na legenda. Obrigado!
Muito massa o trabalho dele!!! sou apaixonada por arte urbana, moradora de Salvador e dando uma espiadinha no seu Blog(parabéns pelo trabalho, é muito interessante) não pude deixar de notar um ERRO na descrição da foto….
O nome da comunidade do lado do MAM é Solar do Unhão.