O ex-B Boy, arte-educador e atual coordenador do Grupo de Arte-Educação, Esporte e Cultura (GAEEC), Demison Cardoso, residente no bairro de Pernambués, durante a nossa conversa disse estar satisfeito com o resultado do 1º Encontro de Grafiteiros de Salvador e Região Metropolitana, organizado pela Comunidade Pernambués Ativa (CPA) em parceria com o GAEEC. “O evento realizado entre os dias 17 e 18 do mês passado, no Centro Social Urbano de Pernambuès foi um sucesso! Conseguimos atrair grafiteiros de Salvador, Camaçari, Arembepe e Simões Filho, inclusive de Aracaju (SE)”, revelou. Segundo ele, a programação constou de várias atividades, como pinturas e oficinas de grafite, shows do Grupo Sangue Real, dentre outros. “Além disso, foram discutidas propostas para formação de uma rede de articulação, visando a criação de um Fórum Baiano representativo da cultura Hip Hop”, disse. Confira a seguir a entrevista. Fotos: JFParanaguá (Denuncie abusos. Direitos reservados).
Há quanto tempo reside no bairro de Pernambués?
Mais ou menos cinco anos.
Antes residiu em que local?
No interior da Bahia. Sou da cidade de Ouriçangas, próximo ao agreste de Alagoinhas. É um nome indígena e o significado tupi-guarani quer dizer “fonte de água fresca”.
Você tem alguma descendência indígena?
Rapaz! Indígena não, mas africana… (Risos). Mas, pelo processo histórico faz parte das nossas raízes.
Além de ser arte-educador é grafiteiro também?
Meu envolvimento com a arte surgiu entre sete e oito anos de idade, quando vim pra Salvador. Conheci uma instituição chamada GAPA BAHIA (Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS – Bahia). Eles estavam fazendo uma apresentação no colégio onde estudei que era modelo – Colégio Estadual Deputado Luis Eduardo Magalhães -. Depois realizaram uma seleção com a finalidade de formar um grupo de hip hop para o projeto da instituição.
Então você foi um dos selecionados?
Sim. Fui um dos aprovados na seleção. O projeto tinha o objetivo de levar informações às comunidades e escolas sobre a prevenção do tema HIV-AIDS e a importância do uso do preservativo (camisinha). Esse grupo que foi formado passou a fazer apresentações, levando informações para os jovens, mães e pais de famílias, comunidades, escolas e feiras de saúde. As letras das músicas do rap eram focalizadas nessas questões. No grupo de grafite do qual fazia parte, eu era grafiteiro e B Boy. Através do grafite expressava essas ações de uso do preservativo. Os desenhos eram muito voltados para a área da sexualidade, HIV, AIDS. Mas, no grupo a minha participação era como B Boy.
B Boy faz o quê?
O break, que é a dança de rua…
Você ainda pratica o break?
Sim. Mas, só uso esses conhecimentos em aulas (oficinas de hip hop) com crianças e adolescentes como arte-educador.
Fazendo vários movimentos giratórios de pernas para cima, apoiando as mãos e cabeça no chão?
Movimentos em cima popping, Footwork: trabalho de pés, executado no chão, usando e variando o apoio das mãos.
Você também se apresentou no dia do evento?
Não. Atualmente não estou fazendo mais apresentações, devido às demandas da comunidade de Pernambués, principalmente com as crianças e adolescentes. O crescimento dos adeptos da cultura do hip hop, nos motivou a fundar uma instituição. Criar algo que pudesse atender essas demandas. Então, em 2008, criamos o GAEEC (Grupo de Arte-Educação, Esporte e Cultura), com a finalidade de trabalhar voltado para o hip-hop, Arte-Educação, esporte, cultura…
Quem são os outros integrantes do grupo?
Elival, André Pacheco, David, que é o coordenador da área do hip hop e Gilmara com atribuição de assistente social.
E Elival?
Ele é o coordenador da área do projeto Meta – Centro, que trabalha com lixo tecnológico e eletrônico, com o objetivo de orientar os jovens na reestruturação de computadores. Esses aparelhos depois são doados pra algumas instituições e associações ou outros projetos sociais.
O GAEEC trabalha exclusivamente com a comunidade de Pernambués?
A princípio sim. O GAEEC ainda não tem um apoio financeiro fixo, que possa garantir o transporte de pessoas de outros bairros.
Então são voluntários. Você tem interesse em transformar o GAEEC em uma ONG?
Na verdade sim. Ela está mais direcionada para uma ONG.
Quais são os objetivos do GAEEC?
Desenvolver atividades sócio-educativas, processo de mobilização, usando como educação e a cultura do hip hop como instrumento educacional e cultural. Nossa missão está focada no fortalecimento e combate a desigualdade racial e gênero, trabalhando com a perspectiva dos direitos humanos, visando a formação, preparação e encaminhamento dos jovens para o mercado de trabalho, curso profissionalizante e faculdade.
GAEEC tem sede própria?
Não. Funciona na Escola Silva Dórea, localizada na Avenida Hilda. A proprietária da escola, dona Eliana Silva, como mora na comunidade e vendo todo nossa mobilização e preocupação em trabalhar com crianças e adolescentes, o esforço procurando algo pra desenvolver com a gurizada cedeu o espaço por empréstimo no período da manhã.
Como surgiu a parceria com a Comunidade Pernambués Ativa (CPA)?
A CPA tem como coordenador Jeferson Oliveira, conhecido como Sinho e grande militante do movimento hip hop. Surgiu a partir das conversas e encontro de jovens do hip hop, no qual o GAEEC e CPA estavam presentes. Daí, resolvemos fazer uma parceria ao percebermos que temos a mesma filosofia bem parecida na linha dos trabalhos, promovendo eventos. Nesse processo agente acredita no fortalecimento e participação popular, além da importância do trabalho em rede, principalmente na rede interna das comunidades (associações, ONGs, lideranças, comunidades).
O que levou o GAEEC e CPA a realizar o 1ºEncontro de Grafiteiros de Salvador e Região Metropolitana?
Foi a partir do encontro Pernambués Cultural que realizamos em março do ano passado. Contamos com o apoio da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), FASE (Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional) com matriz no Rio de Janeiro e núcleos em vários estados, inclusive em Salvador. Então, nesse evento, durante os diálogos e palestras, com a presença de pessoas do movimento do hip-hop, especificamente dos seus elementos – grafite, DJ, break, MC – e na conversa com os artistas de rua, sentiu-se a necessidade de criar algum evento, voltado para os grafiteiros, onde pudessem expressar sua arte de forma… Arte de rua com a perspectiva de direitos humanos, colocando suas demandas, dificuldades que acontecem quando saem pra grafitar, dificuldades pra comprar uma lata de spray que é muito caro e os problemas de violência que muitos deles já sofreram.
Ainda persistem?
Ainda. Principalmente o verbal e o preconceituoso.
Os objetivos planejados pelo GAEEC foram alcançados?
Não fizemos ainda a reunião…
No caso das oficinas há possibilidades de continuar com essa atividade?
Temos essa preocupação muito grande que é o de alimentar e depois não dar continuidade. Acontecem muitos projetos e atividades após os eventos não terem uma continuidade. Por isso essa é uma preocupação do CPA e GAEEC. Tanto que, o nosso grupo desenvolve atividades contínuas de oficinas de grafites, break, xadrez, MC.
O grafiteiro Tito Lama é um parceiro do GAEEC?
Sim. Esse projeto foi apoiado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, através de um edital e a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço. Com ajuda dos dois apoiadores, conseguimos uma remuneração para o Arte-educador. Achamos justos que as pessoas recebam pelo seu trabalho, porque são profissionais.
Qual foi a programação nos dois dias do evento?
No primeiro dia (sábado) iniciamos pela manhã com a abertura do seminário Arte de rua na perspectiva dos direitos humanos. Contamos com as presenças de Renildo Barbosa, presidente do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Salvador), do DJ Branco da Evolução Hip Hop, Patrício Santos, da Rede Nordeste, Walter Altino do Atitude Quilombola, além dos ativistas do Movimento Hip Hop. Logo após o seminário, abrimos a discussão sobre a criação de um fórum, com a ideia de que pudéssemos ter uma instância representativa da cultura hip hop da Bahia. Foi só lançamento da proposta da criação de um fórum. Ainda não tem nada construído, nem mesmo um modelo.
A proposta ainda é um ensaio?
Sim, um ensaio. Apenas uma ideia colocada pelas pessoas, com a finalidade de que pudessem ir dialogando, amadurecendo, se acha viável ou não ou, talvez, poder criar outra instância, como por exemplo, uma rede. Pode não ser um fórum baiano, mas municipal. A partir dessa ideia da construção do fórum, decidimos criar também uma rede de articulação.
Essa rede que você se refere é uma ferramenta da internet (MSN, Orkut, Facebook)?
Também. Esses são os meios de comunicação mais praticados. Além desse meio de comunicação e também dos encontros presenciais pra que pudesse dialogar. E a partir dessa rede, a gente ir pautando as diretrizes, as metodologias e os objetivos do fórum.
Além do fórum teve outro tema de relevância?
Os principais foram à criação do fórum e a difusão da cultura do graffite. No outro dia (domingo), tivemos apresentações dos grupos culturais de rap, inclusive o grupo Sangue Real de Alagoinhas, Conceito Negro da comunidade de Pernambués e a grafitagem nos muros e fachadas internas dos imóveis do Centro Social Urbano de Pernambués.
Você pode estimar o número de participantes presentes?
O projeto contemplou 30 grafiteiros, mas apareceram muito mais. Em função disso, foi proposta uma sugestão de aumentar o número pra 40 ou 50 convidados. Vinte adolescentes participantes das oficinas; o público do rap que compareceu… Olha, nesse dia estava acontecendo ao mesmo tempo três eventos de hip hop na cidade de Salvador. Pra gente é muito importante porque percebemos o movimento crescendo, mas às vezes inviabiliza a presença de um maior número de participantes, devido a falta de comunicação daqueles que se preocupam em divulgar e acreditam na cultura realizando eventos.
E o que deve ser feito?
Falta uma coisa essencial que é o processo de união e de comunicação. Por isso pautamos também essa discussão no fórum, justamente pra que haja mais interação. Por exemplo, esses três eventos poderia ter havido um consenso. Ser realizado um numa semana, um na outra, de modo que as pessoas pudessem fortalecer a cultura hip-hop. Na verdade, o hip-hop é a base dos quatro elementos: break, DJ, grafite e MC. O ideal é que fosse diferente. E não grafiteiro só participando de encontros de grafiteiros, break para os eventos de break, e assim por diante.
E os grafiteiros iniciantes?
Compareceram vários. Não houve restrição da participação deles.
A temática foi de livre escolha dos grafiteiros?
Não. O tema foi voltado pras questões sobre a cidadania, direitos humanos, meio ambientes, etnia, raça e sexualidade.
Qual mensagem você quer deixar?
Temos que continuar a favor da luta pela cultura do hip hop. Não desistir apesar do seu processo de origem. A luta proporciona o caminho da vitória. Então, temos que lutar e acreditar em nossos sonhos e objetivos. Não desistir e lutar pela emoção e também pela razão. Nunca devemos desistir dos nossos objetivos. O caminho é esse!
Contatos do GAEEC: 71 81811998, gaeec@hotmail, sendo o mesmo endereço do Orkut e Facebook e do CPA é cpalternativo@life.com